quinta-feira, 11 de março de 2010

Sequestro emocional

EXPERIÊNCIA EMOCIONAL NEGATIVA E APRENDIZADO NUM SEQUESTRO

Ou como nos embrutecemos.

Nos preocupamos na maioria das vezes com coisas que nunca vão acontecer. É uma tendência da mente preservar a espécie, aliado a aspectos psicológicos que nos mantém no futuro ou no passado, quando esquecemos de estar aqui.

Um sábado desses, que por qualquer motivo não iria ao “baba” de tarde, fui ao Hospital onde trabalho e como tem uma academia ao lado e ando com todos os tipos de “kits” dentro do carro, resolvi dar uma suada e depois fui fazer acupuntura e massagem no Ma To Shi, um local feio, mal arrumado, barulhento, mas que tem um chinês acupunturista muito bom. Ele ou o filho sabem o que fazem.

Após a relaxada inicial, uma massagem, que após uma academia, deixa em estado zen e achando que o mundo é bom e tudo se resolve.
Já no final da massagem, pensando no compromisso muito agradável que teria a noite, tocou o celular e não aparecia o número.

Logo imaginei ser do Hospital, porque por uma artimanha do Gerente Operacional, havia colocado o número principal para não aparecer, visto que haviam poucas linhas disponíveis e se alguém ligasse de volta, poderia congestionar.
Algo para ser explicado em outra hora.

Ao atender, ouvi uma voz chorando, meio em pânico....Pai, ajuda pai, eles me pegaram.
O susto, a voz do meu filho que mora em São Paulo, um salto na maca de massagem, imaginando um acidente.

Uma outra e última vez que ele havia me ligado, havia bebido com amigos e estava a caminho de um pronto socorro para hidratação.
A mesma voz.
Mas era sábado de tarde. Lá pelas 14:30hrs. Um acidente.

Então uma voz entre agitado e calmo disse:
- Calma pai, fomos fazer um trabalho aí, e passamos por uma barreira policial, tivemos que pegar seu filho, mas não esquente.
Ele disse que você é um cara legal e que vai colaborar.

Ao fundo a voz chorosa do filho e um outro cara gritando:
-Cala a boca moleque senão tu emplaca agora.

Apesar do turbilhão na cabeça, apelo ao bandido:
- O moleque não tem nada a ver com isso cara. Diga o que você quer, o que eu posso fazer e é na hora.

Então começam uma série de perguntas e instruções, sem ordem aparente e intercaladas, sem que desse tempo para respirar ao bandido, ou pensar a mim:
- Onde tu ta.
- Em Brotas
-Qual o teu carro?
- Um Fiat, menti, lembrando que meu filho não sabia com que carro eu estava.
- Sai já daí onde tu estás, e vai para o meio da rua. Vamos precisar de uma grana aí pai, um amigo nosso ta ferido e precisamos levar ele para o Hospital. Tem uma pracinha aí perto?
Tinha.
- Tudo bem, me de seu telefone que vou falar com a mãe dele que mora aí em São Paulo e ligo imeditamente de volta.
Me arrumando as pressas e descendo para a pracinha.
- Não, não tu vai ficar me ouvindo até o fim.
- Mas meu celular está acabando a bateria.
- Se acabar, tu nunca mais vê teu filho vivo cara.

- Tem uma farmácia aí perto ou um supermercado?
- Tem
Farmácia e Supermercado tem em todo lugar, mas, por instantes achei que os caras estavam me vendo, uma ramificação da quadrilha, sei lá.
- Vai lá e pergunta se tem crédito para telefone. Quanto tu tem no bolso aí pai?
- R$ 500,00 falei. E tinha.
Esbaforido pela rua, entrei na Farmácia, disseram que não tinham créditos.
- Não tem, mas tem um supermercado em frente. Estou indo. Guenta aí cara.
- Vai ligeiro porque meus camaradas aqui já tão querendo apagar o moleque veio.
- O caixa falou que tem.
- Então pega caneta e papel que vou te falar uns números aí pra tu depositar. A partir de agora, vou te chamar de pai e você me chama de filho falou? Pra não dar na pinta. Tu vai fazer 10 créditos de R$ 50,00 cada falou? Faz cinco em cada conta.
- OK, falei engasgando, enquanto pedia papel e caneta para a moça do caixa.

Ela deve ter notado algo estranho na minha angústia, porque o segurança se aproximou.
Anotei dois números, com código do Rio 021.

Voltei à moça e pedi para fazer os créditos. Ela perguntou algo que não entendi e o bandido falou novamente em voz de comando.
- Agora sai daí e vai pro meio da rua, que eu vou conferir os depósitos.
- Fica tranqüilo cara, que já está indo.
- Depressa que os caras aqui estão impacientes.
Ouve-se vozes de gente agressiva e gritando.

Após os depósitos, ficaram faltando dois que não entravam e o bandido deu ordem para colocar em um terceiro número, falando:
- Viu pai, a mãe mandou colocar em outro número dela, porque ela gasta muito. Me chama de filho.
- Ta bem filho, já estou mandando pra tua mãe também.

O segurança ouviu e se afastou.

Quando a moça do caixa confirmou o último depósito, eu avisei ao bandido que disse:
- Ouça bem pai, o pessoal aqui ta querendo mais grana pra soltar o moleque.

Muito irritado eu falei com a voz embargada, lágrimas embaçando a visão:
- Escute aqui cara, todo mundo tem que ter dignidade, até bandido. Fizemos um trato, cumpri minha parte e você não está cumprindo a sua. Não é porque você está preso que não tem dignidade, cara. Eu já fui preso e sei o que é isso. Solta o moleque, cara.

- Não chora não pai. Escute aqui. Onde você quer que larguemos o moleque. Pode ser no Morumbi?

- Em qualquer lugar. Deixa ele em qualquer lugar que ele entra em contato com a gente e vamos buscar.

- Você é um cara legal. Sabe aquela pegadinha do Faustão? Pois é. Não estamos com seu filho não...
Atônito, aliviado, mas ainda em dúvida, não sabia o que dizer.
O bandido continuou:
- Já que você já foi preso, sabe que peguei 10 anos e minha filha tem 10 anos cara? Precisamos sair daqui e não tem jeito. Vá em paz. Tem um amigo aqui querendo falar contigo cara.
-Alô. Você é um cara legal. Dava pra me arrumar mais uma graninha aí velho? Te dou uma conta e tu deposita. Pode ser segunda-feira.
Devo ter dito algo como: Vou ver, talvez.. e desliguei.

Saí meio zonzo até onde tinha deixado o carro. Liguei para meu fiho. Tocou várias vezes até que ele atendeu e falando quase sussurrando disse:
- Não posso falar agora pai.... e desligou.

Falei alto: Não é possível. Era um trote ou verdade?
E liguei novamente. Tocou umas 6 vezes.
Quando ele falou alô, eu berrei:
- Atende essa porra, que você foi seqüestrado!!!

- Calma pai. Estava na aula e não podia falar.

Comecei a rir e contei-lhe o que havia passado rapidamente.

Peguei o carro e fui para casa pensando que era melhor ter sido um trote, mas a sensação de violência, de perda, de impotência, perante a perversidade, é uma coisa que se elabora aos poucos e permanece por bom tempo.

Fui ao baba tomar uma cerveja e fiquei meio jururu até o dia seguinte, Domingo, quando já havia contado para várias pessoas e dividido um pouco da indignação.
Um terror inominado. Uma covardia que se ameniza com o alívio de se saber trote.

Na segunda-feira, na mesma academia enquanto me trocava, o telefone tocou. Uma voz falando:
- Aí pai.....
Desliguei o telefone.

Algumas semanas depois fizeram o mesmo com uma médica do Hospital, só que m ais grave. A mãe dela que havia sido contactada antes, deu todos os telefones, endereços, etc.
Mandaram ela desligar os telefones, sair de casa e só voltar horas depois.
Tiveram que ir ao banco para depositar quantias maiores. Foi um seqüestro virtual

Semanas depois, por volta do mesmo horário, outra ligação, voz de choro, alguém falando pai...mãe, me pegaram.
Fiquei em silêncio e percebi agora a distinção de timbre e tom de voz.
Após alguns segundos, veio uma voz dizendo:
- Não quer falar é, veja o que vai acontecer com sua filha.
Desliguei.
E esqueci de ligar para minha filha.




SSA, 19/05/09 20:27hrs

Um comentário:

  1. É Ge, conheço bem esta dor, tb fui vítima desta atrocidade. 43 minutos de pura selvageria numa negociação de desiguais, as amigas tentando falar com meu filho e ele atendeu dizendo bem beixinho que não podia falar e desligou, outras tentativas e nada, assim como seu filhote o meu tb estava em aula para desespero de quem está numa negociação e vai construindo um filme bárbaro na mente fruto do relato dos bandidos no outro lado da linha. Bárbaros!
    Por fim, completamente exaurida em dor, lágrimas, sem mais nada poder fazer no local onde estava. Num ato de desespero e de resignação desligo o aparelho ao tempo em que me jogo de joelhos no chão em prantos entrego a Deus. Segundos depois a bênção, meu filhote liga, estava em aula.Várias outras ligaçãoe se sucederam mas meu filho estava seguro.Um dos professores, homem, mais centrado, deu uma baixa nos caras e eles não ligaram mais.
    Na delegacia dou queixa, volto dois dias depois e o delegado me diz que a ligação tinha sido feita de um presídio no Rio e que eu deveria buscar ajuda psicológica pois ningém sai imune de uma barbárie destas.Indescritível...

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